“A gente passava várias semanas colhendo cacau, levando para as barcaças, ensacando, os caminhões saindo lotados para Ilhéus. Tinha um monte de gente trabalhando aqui…”
A Mata Atlântica é exuberante, o verde chega a doer nos olhos, enquanto caminhamos em meio aos cacaueiros. Amaro, o autor da frase, é administrador de uma fazenda localizada numa estrada vicinal em Pau Brasil, no Sul da Bahia.
Ou, o que restou dela.
“A gente chegou a colher três mil arrobas de cacau. Esse ano vamos colher 120 arrobas. E olha que já colhemos menos. O dono só vem aqui uma vez por ano. Ainda bem que tem outras atividades, porque o que tira daqui não paga nem os trabalhadores…”
Por “os trabalhadores”, entendam-se oito pessoas, quase todos da mesma família. A maioria ficou na fazenda por absoluta falta de opções. Amaro entre eles. Com a mulher e os filhos, cuida da pequena área de cacau e cultiva produtos de subsistência.
“O dono da fazenda fez clonagem, mas as árvores não eram resistentes e a vassoura voltou com tudo. Agora estamos tentando novos clones para ver se a produção aumenta de novo, mas nunca será como antes, isso eu sei…”
Por “antes” entenda-se duas décadas. Antes da chegada da vassoura-de-bruxa, doença que por absoluta falta de cuidados e de conhecimentos praticamente dizimou a lavoura cacaueira e que num par de anos empobreceu uma região absurdamente rica. O que Amaro sabe, o que todos já sabem, é que nunca será como antes.
“Olhe esse jacarandá, deve ter mais de cem anos. Essa árvore aqui é pau-brasil. O fazendeiro não permitiu que a gente derrubasse a mata, tá tudo conservado. Mas o cacau, a vassoura levou embora…”
Amaro acaricia os poucos frutos sadios, aponta para as plantas semi-mortas, espera que dessa vez a clonagem seja bem sucedida, para que pelo menos o cacau pague as despesas da fazenda. O receio, evidente, é que o dono tenha um limite para arcar com os prejuízos, ano após ano.
“Quanta gente foi embora e hoje eu nem sei por onda anda. A gente vai nas outras fazendas e dá pena. Muitas delas estão abandonadas, as casas depredadas, onde tinha cacau, hoje só tem mato. Tenho 50 anos, nasci e cresci nas roças de cacau. Nunca pensei que iria ver isso…”
Amaro sai da plantação de cacau e se dirige para casa, onde a mulher, também nascida e criada nas roças de cacau, serve um café ralo. A impressão é de que, ao transpor aqueles cacaueiros, deixou para trás um sonho.
Ou, um pesadelo, que insiste em atormentar o sono de Amaro e de ilhares de pessoas que esperam pelo fim de uma crise como quem espera pelo fim de uma longa noite tenebrosa.
Um dia que insiste em não amanhecer…
Reprodução de matéria publicada no Blog do Thame: http://www.blogdothame.blog.br/v1/