Mãe, avó e embaixadora da Unicef (Fundo das Nações Unidas para Infância), a cantora baiana Daniela Mercury conseguiu adotar uma criança de 3 anos no dia 25 de fevereiro deste ano, em decisão tomada pelo juiz da Comarca de Esperança, no Agreste da Paraíba. O sonho realizado por Daniela ainda pode ser multiplicado por três, pois a Justiça também concedeu à cantora a guarda definitiva de outras duas meninas, de 11 e 14 anos. As três crianças paraibanas moram com Daniela Mercury há dois anos. (Assista ao vídeo e confira o depoimento da cantora)
Com dois filhos biológicos, frutos do primeiro casamento, a cantora baiana busca aumentar a família e afirma que a escolha na hora da adoção é mútua. “Eu fiquei muito lisonjeada de elas terem me escolhido pra cuidar delas, para ser essa segunda mãe, de criação delas, essa amiga, essa pessoa que vai estar na vida delas e que passou a ser a família delas por amor”, revela.
“Eu estou adorando tê-las comigo. Elas estão agarradas a mim e a minha família. Às vezes é até mais forte do que um laço de sangue, porque é construído ali, com muito amor, com muita dedicação, com muita delicadeza”, diz Daniela, em entrevista ao G1. Sobre a possibilidade de sevir de inspiração com o gesto, é taxativa: “Não foi por solidariedade nem caridade. Foi por vontade de ter uma família. Não adotei para ser exemplo. Foi por amor”.
Confira trechos da entrevista exclusiva concedida pela cantora:
G1 – Qual foi a maior motivação para adotar as crianças?
Daniela Mercury – Eu já tinha esse plano desde o começo da minha vida. Eu quase adotei uma criança há 14 anos. Cheguei a começar o processo de adoção de uma menina. Então eu sempre tive certeza de que quando a vida ficasse um pouquinho mais tranquila ou quando os meninos estivessem maiores, que a primeira brecha que eu tivesse, que eu ia adotar. Aí eu já tinha isso na cabeça, eu já tinha vontade, os meninos cresceram, saíram de casa. A casa ficou vazia. E eu sou muito leonina, sou muito mãezona e não resisti a encher a casa de novo. Eu queria a alegria delas, eu gosto muito de criança. Minha vida se esvaziou e eu disse: ‘Eu acho que é agora’. É a hora de fazer aquele plano que eu tinha desde o começo da minha vida’.
G1 – Agum motivo especial por você ter escolhido três meninas?
Daniela – Olhe, duas são irmãs, né, vieram de presente juntas. Eu quando me cadastrei disse que poderia ter irmãs. Eu fiz o cadastro para me habilitar para a adoção. Então eu não restringi idade, não restringi sexo, não restringi cor da pele, nada disso. Para mim, qualquer criança era bem-vinda. E aí aconteceu de virem Ana Alice e Ana Isabel. E a Márcia, quando fomos conhecer, quando fomos convidados para conhecer as crianças, ficamos encantados com a mais velha e trouxemos ela porque ficamos com vontade de tê-la conosco também. Aí vieram três meninas por acaso. Quase trouxemos cinco, mas seguramos as três aos poucos e cada uma, são as trigêmeas, cada uma com suas particularidades, idades diferentes, cada uma quer atenção de uma maneira diferente. São mulheres fortes, todas as três, são moças danadas, cada uma com sua idade, inteligentes, cada uma com seu brilho, cada uma com seu encanto e já é bastante trabalho fazê-las felizes.
(Foto: Leonardo Silva/Jornal da Paraíba)
G1 – Muitas famílias reclamam da morosidade no processo de adoção. Você compartilha dessa opinião?
Daniela – Olha, eu achei o processo de adoção no tempo adequado porque acho que a experiência minha me fez ver, eu não tinha experiência de adoção. Tenho muita experiência como militante social, já trabalho com crianças desde mocinha que eu fui professora de dança, sou mãe, sou avó, então eu tenho realmente um conhecimento e um prazer de lidar com crianças muito grande. Mas o desafio da adaptação das crianças, cada uma é mundo muito particular, é um tempo que eu acho que todos os pais precisam, que os assistentes sociais, os psicólogos, os juízes, precisam para observar como é a adaptação da criança na família. Eu não achei que foi lento. Eu acho que foi o tempo necessário e acho que com crianças maiores talvez fosse necessário até um pouco mais de tempo pra que se tenha certeza de que as crianças estão bem, que é isso que é possível. Porque há todo um conquistar, né, porque são crianças que já são maiores, elas já têm muito mais personalidade, elas escolhem muito mais os pais, já têm senso crítico.
G1 – Como é essa construção diária dos laços familiares com as crianças?
Daniela – Os laços familiares são criados. Primeiro, você vai percebendo quais os bloqueios, se a criança está mais disponível para amar, se ela está mais confiante no amor que vai receber da gente ou não, isso então tem que ser percebido com delicadeza, com cuidado. Filho dá muito trabalho, filho precisa muita atenção. Filho precisa de vigilância, de limite, de amor, de alimentação, de educação, de construção de valores humanos. Eu ainda estou aqui, disciplinando televisão, hora disso, hora daquilo, como toda criança. Não são diferentes dos meus. Nem são diferentes do que eu era. Estou ali mais vigilante do que nunca, porque estou vendo a formação dessas crianças e vendo o que é que elas trouxeram consigo desde de sua infância, primeira infância, principalmente as mais velhas. Mas a pequenininha também, eu não sei o que ela já tem no inconsciente dela, na cabecinha, no coração. Eu sei que tem uma parte que vai sempre ser um mistério pra mim e está aí o desafio de adotar crianças, eu acho que é isso. E a gente tem que lidar com o mistério e é bom aceitar isso porque é divino. Somos seres humanos e nunca sabemos nem de nós mesmos, quanto mais dos outros.
G1 – Como embaixadora da Unicef, você espera influenciar outras pessoas a adotar?
Daniela – É uma adoção também multirracial. Elas não são somente de idades diferentes. Ana Alice é morena, uma morena jambo, praticamente negra, então eu fiquei muito feliz de ela vir também, eealizar esse sonho de ter uma menina linda perto de mim. Também tem essa nossa coisa da diversidade brasileira. Por isso que eu disse, eu não escolhi raça, não escolhi idade, não escolhi nada, me cadastrei e me coloquei para adotar. Eu não queria mais ter filhos biológicos, não estava mais disponível pra isso. Mas sobre o exemplo, gente, eu com esse convívio estou muito feliz com as crianças, muito feliz. É um presente. Não está sendo diferente de ter filhos biológicos ter filhos adotados. A alegria é a mesma, o encantamento é o mesmo, o trabalho é o mesmo, por incrível que pareça não está sendo mais difícil do que foi criar os meus filhos. E o que eu percebi no processo de adoção é o seguinte: está com vontade de adotar, faça logo seu cadastro, se coloque disponível para adoção. Você pode ser solteiro, você pode ser casado, isso não tem problema. Eu quero dizer que é uma alegria ser um exemplo para vocês adotarem. É uma motivação. Mas eu não adotei para ser exemplo. Eu adotei por amor, por alegria, por vontade de ter uma família maior e poder estender esse amor a crianças que já estavam precisando de apoio, de cuidado. Então está sendo uma alegria a mais cuidar delas. Não foi por solidariedade nem caridade. Foi por vontade de ter uma família e uma família que me ensinasse também a ser melhor como gente.
Bahia)
G1 – O que falta para as pessoas se sentirem mais estimuladas a adotar no Brasil? Você acha que o poder público deve investir mais em campanhas?
Daniela – Eu quero muito que o Brasil ajude, além do governo, além dos municípios, a sociedade, que todos entendam que essas crianças precisam ser respeitadas como indivíduos, precisam ter perspectivas de futuro. Então o país tem políticas públicas de cuidados com essas crianças, tem. Mas ainda elas são cuidadas por muitas mães sociais, voluntários, e ainda os orfanatos necessitam de renda para manutenção. Muitas vezes isso é feito através de doações. Isso não está correto. É preciso se resolver isso no Brasil. Não podem ter só voluntários, não podem ser pessoas que não estão preparadas para ter crianças nessas situações de trauma e risco, então eu estou lutando para que nós tenhamos um trabalho profissional dentro dessas casas de acolhimento do Brasil, desses antigos orfanatos que hoje têm o nome de casas de acolhimento. É isso que eu peço. Um olhar sério, de educação, de assistente social, cuidado psicológico e tudo. Que essas crianças tenham todo um trabalho para que elas possam, sendo adotadas ou não, saírem dali e serem cidadãs, que tenham sua dignidade respeitada e possam ser cidadãs de sucesso, independente da dificuldade que tiveram durante a infância e a adolescência. É preciso muito cuidado.
Fonte: G1.globo.com